sexta-feira, dezembro 16, 2005

Não há nada

Não há nada

Eu acordei e não havia nada, não restava nada à minha volta. Eu não tinha os meus pais, eu não tinha casa, não tinha os meus amigos. Alguma coisa tinha acontecido, alguma coisa terrível pois tudo tinha desaparecido. A minha cidade, o meu país, o mundo inteiro no qual eu existia, desaparecido completamente a minha volta. Eu estou sozinho, olho a minha volta e vejo um vazio muito negro, como estar acordado com os olhos fechados. Não há som, não existem sentimentos, não existe nada… Isolamento total... Não há nada…

O primeiro pensamento que me ocorre é: “O que aconteceu?” – Mas eu sei que não vou ter resposta, pois não existe nada há minha volta, não há nada… Um arrepio frio de solidão percorre as minhas costas neste momento. Eu mantenho – me calmo, não estou em pânico. Eu estou aqui, eu ainda continuo a pensar, estou a tentar perceber o que se esta a passar, mas não há nada para perceber porque não há nada… Então o que posso fazer? A resposta é nada, fazer o quê? Não há nada… Então devo ser deus, mas eu não consigo criar nada no vazio, não tenho poderes sobrenaturais, não há nada que possa fazer, nada de extraordinário, não há magia… Só existe eu e? O que e que eu faço? Nada… Mas eu estou aqui, eu existo, tenho uma consciência porque estou a pensar, tenho – me só a mim, e aqui eu sou tudo…

Então eu sou tudo num “mundo” do nada, mas não sou omni potente, sou apenas humano, tudo o que tenho sou eu, o que é que me resta? Pensar é tudo o que tenho e existindo no nada eu sou tudo, sendo tudo eu tenho o poder, tendo o poder eu consigo mudar as coisas, sendo capaz de mudar as coisas, eu sou importante, logo, estou nesta situação e consigo mudar, mas como? Suicídio não é uma opção, nunca é uma opção, pois é só para os fracos, alem disso também acho que depois de estar morto tenho uma eternidade para me fartar de estar morto, então o que posso fazer? Como? Bem, estou a pensar por isso… Eu continuo, no nada eu sou tudo, logo, eu decido, sou uma espécie de “deus do nada” então eu ganho Poder, depois eu mudo, depois sou alguma coisa, depois sou importante. Eu estou no cume da minha existência agora!

É aí que eu percebo, e eu fecho os meus olhos para ver tudo, e ai eu sou uma parte do todo, eu acordo para o mundo real e vejo tudo agora. Não há isolamento, não há nenhum vazio, eu estava apenas preso em mim próprio, num pesadelo criado por mim, sou parte de uma coisa agora, ao mesmo tempo eu sou tudo e tudo acontece quando nós queremos. Nós somos Poder. Só nós mudamos as coisas.

Daniel Carvalho

Mais um texto encontrado numa máquina da faja

Era algo eterio

Era algo etéreo, inatingível e absoluto como um mar vibrante e infinito que nos absorve e consome peça por peça, célula por célula até não sermos mais do que simples palpitações de um momento congelado e único de intransigente confusão. Um vórtice alvo e infinito em que tudo o que somos se transforma e regenera até ser finalmente destruído na insondável e perpétua singularidade do fim que desejamos nunca chegar.

Talvez fosse o vento frágil, esta brisa conspurca e ignóbil bruxuleante que percorria cada vaso da minha mente distorcida pelo abraço febril e ebóreo dum segundo incendiado pelo líquido flamejante e ardente de tudo o que conheci. “Sim, vivo muito sobre o peso inolvidável de cada vaca que carreguei... pois em cada ombro de um pastor nobre e gentil existe aquela besta grosseira de um animal que jaz no inevitável trajecto do seu Destino”.

Ah, sim, a memória do meu avô bêbedo e seco, escurecido pelo árduo trabalho de uma vida de currais doentios e imundos como os cantos podres, mórbidos, perdidos da nossa alma.

(continuem a história)

texto encontrado numa máquina da faja